Governo quer regular plantio de Cannabis para fins medicinais no Brasil

Governo quer regular plantio de Cannabis para fins medicinais no Brasil

Atualmente, somente a justiça permite a plantação mediante decisão favorável.

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo Lula (PT) pretende regular o plantio de Cannabis para fins medicinais no Brasil em substituição às importações dos produtos, afirma a secretária nacional de Políticas Sobre Drogas e Gestão de Ativos do Ministério da Justiça, Marta Machado.

Atualmente, a justiça permite a plantação somente quando concede decisão favorável. Em março, o ministério já havia defendido em um processo que o STJ (Superior Tribunal de Justiça) autorize a plantação aqui no Brasil.

Na manifestação, a pasta diz considerar conveniente uma ampla e adequada regulação da importação e cultivo da cânabis com baixa concentração de THC (componente que gera efeitos psicoativos), para fins industriais, farmacêuticos e medicinais.

Em entrevista à Folha, a chefe da Senad afirmou que a liberação da plantação será uma das pautas prioritárias do Conad (Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas). Também fazem parte do conselho membros do Ministério da Saúde, Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e Polícia Federal, além de outras pastas.

Segundo Marta Machado, a ideia é discutir qual é o melhor modelo de regulação para o país. A intenção, afirma, é reduzir o preço dos produtos à base de Cannabis e evitar, com isso, a judicialização que ocorre pelo país.

A Justiça já concedeu mais de 2.000 autorizações de plantios no Brasil. Na sua visão, o cenário atual é de distorção porque há pouco controle.

“Há modelos que fazem essa autorização somente para a indústria farmacêutica, outros reconhecem as associações. A Senad não tem nenhum modelo a priori. A intenção é discutir amplamente com todos os atores envolvidos um sistema prudente de regulação, fiscalização e monitoramento. O qual evite o desvio para uso recreativo e que priorize a produção local e a indústria brasileira apta a ingressar nesse mercado”, acrescentou.

A posição da secretária reforça a que foi exposta pelo ministério no STJ.

A pasta afirmou que essa medida é imperiosa para sanar as obscuridades do atual marco regulatório e corrigir as distorções que ele gera. Que especialmente a grande dificuldade das agências de segurança pública. Demais órgãos de fiscalização em controlar plantações existentes no território nacional. Sejam elas autorizadas por decisões judiciais ou apoiadas em atos de desobediência civil.

Uma outra sinalização de que a Cannabis para uso medicinal será uma das pautas do governo é a indicação de nomes ligados ao setor para o Conselho de Desenvolvimento Econômico Social e Sustentável, chamado de “Conselhão”. Entre eles está Viviane Sedola, CEO e fundadora da plataforma digital Dr. Cannabis, que conecta médicos e pacientes no Brasil.

Criado por Lula em 2003 e extinto pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o Conselhão serve como uma interlocução entre o governo e a sociedade civil para discutir medidas envolvendo o desenvolvimento do país.

Enquanto o governo debate o tema, a Anvisa também trabalha em uma nova norma para regulamentar a plantação para uso em pesquisas.

“No âmbito das pesquisas clínicas que cabe à Anvisa regular, a agência pode regulamentar o plantio para fins de pesquisa. O que a gente vem trabalhando é em uma norma que regulamente o plantio para fins de pesquisa clínica para registro de medicamento ou autorização sanitária de produtos à base de cânabis”, disse Daniel Meirelles, um dos diretores da agência.

Bruna Rocha, advogada e presidente-executiva da BRCann (Associação Brasileira das Indústrias de Canabinoides) disse ser necessário avançar na regulação para o mercado crescer mais.

“A única forma de viabilizar esse mercado é por meio de uma estrutura regulatória clara e consistente. São inúmeros os benefícios porque onde se tem segurança jurídica naturalmente você associa investimento, que beneficia o próprio paciente. A 327 e 660 [normas da Anvisa] são regulações transitórias, sendo que a última se sustenta numa ação civil pública não transitado em julgado”, disse.

A Anvisa autoriza duas formas para se obter produtos à base de Cannabis. A primeira é através da importação pela resolução 660. Nesse caso, os produtos são para uso exclusivamente pessoal e não passam por avaliação técnica da agência reguladora.

Como a Folha mostrou, um mercado paralelo de “maconha legalizada” para uso recreativo se desenvolve no país por causa de uma brecha nesta resolução.

A agência concedeu 80.258 autorizações para a importação de produtos com a substância em 2022, o dobro das 40.165 concedidas em 2021.

A outra forma de se obter esses produtos é por meio da resolução 327, em que a Anvisa autoriza a comercialização de produto à base de Cannabis nas farmácias. Nesse caso, a agência reguladora avalia qualidade, eficácia e segurança antes da autorização.

Segundo a BRCann, a comercialização de produtos à base de Cannabis medicinal nas farmácias brasileiras registrou crescimento de 304% em volume no comparativo entre os anos de 2022 e 2021.

O médico Valdecir Carlos Tadei, professor da Famerp (Faculdade de Medicina de Rio Preto), diz que atualmente várias condições respondem bem a esses produtos, como autismo, epilepsia e ansiedade.

Segundo o médico, esse mercado tem crescido muito e auxiliado na vida de diversos pacientes. Tadei afirma atender em média dez pessoas por dia que fazem tratamento com produtos à base de Cannabis.

“Eu entendo e pratico a minha medicina com um conceito claro: o canabidiol é coadjuvante ao tratamento. Ele afirmou que os profissionais adaptam o tratamento para cada pessoa, podendo incluí-lo ou não em conjunto com outros medicamentos, como o ansiolítico para a ansiedade.

Por sua vez, Tadei é favorável à plantação de Cannabis no Brasil, desde que ocorra dentro de um modelo de produção industrial que assegure, acima de tudo, a segurança e a qualidade do produto final.

O metalúrgico Paulo Henrique Nunes disse que o filho Pedro Henrique Nunes, 9, teve meningite com quatro meses de idade, tendo como consequência paralisia cerebral e tetraplegia. Um ano depois, a doença apareceu novamente, e Pedro passou a ter várias convulsões por dia.

Paulo conta ter descoberto o tratamento com canabidiol antes de 2015 e que até obteve autorização da Anvisa, mas não colocou em prática devido ao preço dos remédios.

Após a ajuda da Abracuca (Associação Brasileira de Apoio e Cuidados com Cannabis), Paulo conseguiu a consulta e o auxílio para entrar com a judicialização e garantir o tratamento do filho. Desde 2022, as convulsões pararam após Pedro começar a tomar os produtos indicados pelo médico, relata. Além disso, ele também conseguiu reduzir a dose de outros remédios.

“A gente tem que torcer para que todo mundo entenda o que é a medicação, porque já sofremos preconceito”, afirma. Evolução do mercado de produtos à base de Cannabis no Brasil

2014

Inicialmente, as primeiras ações individuais no Judiciário passaram a reivindicar permissão para o acesso a produtos à base de Cannabis.

2015


Em um marco regulatório importante, a Anvisa publica o primeiro ato normativo da agência para autorizar, em caráter excepcional, a importação de produtos à base de Cannabis. Por conseguinte, a permissão era destinada exclusivamente a pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição médica. Desde que houvesse prescrição médica.

2017


Aprovação do primeiro registro no Brasil de medicamentos feito à base de Cannabis medicinal

2019


A Anvisa iniciou a autorização para que produtos fossem comercializados em farmácias e drogarias.

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