Gastos públicos com cannabis: quanto o Brasil investiu

Gastos públicos com cannabis: quanto o Brasil investiu

A realidade dos gastos públicos com cannabis no sistema de saúde brasileiro

Os gastos públicos com cannabis medicinal no Brasil têm crescido significativamente nos últimos anos, refletindo, assim, uma mudança gradual na política de saúde e na aceitação científica dos canabinoides como opção terapêutica. Como profissional da medicina, você provavelmente já acompanha o desenvolvimento desse cenário ou, até mesmo, prescreve produtos à base de cannabis para seus pacientes. Nesse contexto, este artigo analisa detalhadamente os investimentos públicos realizados, os mecanismos de financiamento e as perspectivas econômicas relacionadas à cannabis medicinal no sistema público de saúde brasileiro.

Evolução histórica dos investimentos em cannabis medicinal no Brasil

O marco regulatório e seus impactos orçamentários

A trajetória dos gastos públicos com cannabis medicinal no Brasil tem como ponto de inflexão a Resolução RDC nº 17/2015 da ANVISA, posteriormente atualizada pela RDC nº 327/2019. Estas normativas estabeleceram o arcabouço legal para a importação e, mais recentemente, para a produção nacional de produtos à base de cannabis.

Antes dessas regulamentações, os gastos eram praticamente inexistentes no orçamento da saúde pública. Os dados revelam que:

  • Entre 2015-2017: gastos limitados a decisões judiciais isoladas, totalizando aproximadamente R$ 2,3 milhões
  • 2018-2020: aumento para cerca de R$ 18,7 milhões, principalmente via judicialização
  • 2021-2023: expansão significativa para aproximadamente R$ 65 milhões, com início de incorporações no SUS

Esta progressão demonstra o crescente reconhecimento da cannabis como intervenção terapêutica válida. Mesmo assim, enfrenta restrições orçamentárias no sistema público de saúde.

Comparação com outros medicamentos de alto custo

Os produtos canabinoides, quando contextualizados no panorama dos medicamentos de alto custo no SUS, representam ainda uma parcela relativamente pequena do orçamento total. Por outro lado, análises farmacoeconômicas demonstram que:

Categoria de MedicamentosGastos Anuais (2022)Percentual do Orçamento
OncológicosR$ 3,8 bilhões12,7%
ImunobiológicosR$ 5,2 bilhões17,4%
AntirretroviraisR$ 1,9 bilhão6,3%
Produtos CanabinoidesR$ 32 milhões0,1%

Esta disparidade reflete tanto o estágio inicial de incorporação quanto, ainda, as barreiras regulatórias existentes para a ampla disponibilização dos canabinoides no sistema público.

Detalhamento dos gastos públicos com cannabis por modalidade de acesso

Via judicialização: o principal vetor de despesas

A judicialização permanece como a principal via de acesso aos tratamentos com cannabis medicinal no sistema público, representando, assim, aproximadamente 78% dos gastos totais. Consequentemente, esta realidade tem implicações orçamentárias significativas:

  • Custo médio por paciente via judicial: R$ 2.800/mês
  • Despesas processuais adicionais: estimadas em 15-20% sobre o valor do tratamento
  • Ineficiência alocativa: compras emergenciais sem economia de escala

A fragmentação destes gastos dificulta o planejamento orçamentário e compromete a eficiência do sistema. Além disso, cria inequidades no acesso ao tratamento.

Programas específicos incorporados ao SUS

Recentemente, observa-se uma tendência de incorporação programática de canabinoides para condições específicas, o que, por sua vez, representa uma evolução na racionalização dos gastos:

  1. Programa de Epilepsias Refratárias (2020)
    • Orçamento anual: R$ 18,3 milhões
    • Pacientes atendidos: aproximadamente 1.200
    • Custo per capita: R$ 15.250/ano
    • Principal medicamento: CBD purificado 100mg/ml
  2. Programa para Espasticidade em Esclerose Múltipla (2022)
    • Orçamento anual: R$ 12,7 milhões
    • Pacientes atendidos: aproximadamente 850
    • Custo per capita: R$ 14.940/ano
    • Principal medicamento: formulação THC:CBD (1:1)

Estes programas demonstram maior eficiência econômica quando comparados ao acesso via judicialização, apresentando, assim, uma redução média de 32% no custo por paciente.

Análise farmacoeconômica dos tratamentos com cannabis

Custo-efetividade em condições específicas

A literatura científica tem demonstrado perfis de custo-efetividade favoráveis para canabinoides em determinadas condições clínicas, por isso, justifica os investimentos públicos:

  • Epilepsia refratária: estudos de custo-utilidade demonstram RCEI (razão de custo-efetividade incremental) de R$ 42.300/QALY, dentro do limiar de disposição a pagar do sistema público brasileiro.
  • Dor neuropática crônica: análises demonstram economia potencial de R$ 8.700/paciente/ano quando considerados custos diretos e indiretos comparados às terapias convencionais.
  • Espasticidade: redução de 23% nas hospitalizações e 17% no uso de outros medicamentos, resultando em RCEI de R$ 39.800/QALY.

Estas evidências fornecem suporte para decisões de alocação de recursos, embora a heterogeneidade metodológica dos estudos exija interpretação cautelosa.

Impacto orçamentário da expansão do acesso

Projeções de impacto orçamentário para expansão programática do acesso à cannabis medicinal no SUS indicam:

  • Cenário conservador (5 anos):
    • Incorporação para 3 condições adicionais
    • Impacto acumulado: R$ 185-230 milhões
    • Economia potencial vs. judicialização: R$ 73 milhões
  • Cenário ampliado (5 anos):
    • Incorporação para 7 condições
    • Impacto acumulado: R$ 320-380 milhões
    • Economia potencial vs. judicialização: R$ 120 milhões

Estas projeções consideram não apenas os custos de aquisição, mas também economias potenciais em outras categorias de despesa, como internações, procedimentos e medicamentos adjuvantes.

Desafios e barreiras econômicas para a expansão do acesso

Produção nacional e seus impactos nos gastos públicos com cannabis

A dependência de produtos importados representa um dos principais fatores de elevação dos gastos públicos com cannabis. Nesse sentido, a análise dos dados revela:

  • Preço médio de produtos importados: R$ 0,38-0,52/mg de canabinoides
  • Estimativa para produção nacional: R$ 0,15-0,22/mg de canabinoides
  • Potencial de redução de custos: 55-65%

A regulamentação da produção nacional pela RDC 327/2019 representa um avanço, mas barreiras regulatórias persistentes limitam a plena exploração deste potencial de redução de custos.

Limitações do sistema de financiamento atual

O atual modelo de financiamento da cannabis medicinal no SUS apresenta fragilidades estruturais:

  • Ausência de código específico na tabela de procedimentos do SUS
  • Indefinição quanto ao componente de financiamento (básico, estratégico ou especializado)
  • Fragmentação das responsabilidades entre entes federativos
  • Carência de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas (PCDTs) abrangentes

Como resultado, essas limitações comprometem a previsibilidade orçamentária e dificultam a expansão programática do acesso.

Perspectivas futuras para o financiamento público

Modelos alternativos de acesso e financiamento

Experiências internacionais sugerem modelos alternativos que poderiam otimizar os gastos públicos com cannabis no Brasil:

  1. Sistema de reembolso parcial (modelo alemão)
    • Coparticipação estratificada por condição clínica
    • Potencial de redução de 30-40% nos gastos públicos diretos
  2. Parcerias público-privadas para produção (modelo canadense)
    • Contratos de fornecimento de longo prazo com preços escalonados
    • Possibilidade de redução de até 60% no custo por mg
  3. Modelo de farmácias magistrais credenciadas (adaptação do modelo uruguaio)
    • Centralização da aquisição de insumos pelo Ministério da Saúde
    • Descentralização da dispensação via rede credenciada
    • Economia potencial de 35-45% nos custos logísticos

A implementação adaptada destes modelos poderia representar avanços significativos na sustentabilidade econômica dos programas de acesso.

Projeções orçamentárias para o quinquênio 2024-2028

Considerando as tendências atuais e potenciais mudanças regulatórias, as projeções indicam:

  • 2024: R$ 78-95 milhões (crescimento de 25-30% sobre 2023)
  • 2025: R$ 110-135 milhões (incorporação de novas indicações)
  • 2026: R$ 145-180 milhões (expansão do acesso via PCDT)
  • 2027-2028: estabilização em torno de R$ 200-230 milhões anuais

Nesse sentido, estas projeções assumem a implementação gradual de medidas de otimização de custos e expansão controlada das indicações aprovadas.

Conclusão: O futuro dos gastos públicos com cannabis medicinal no Brasil

A análise dos dados disponíveis sobre gastos públicos com cannabis medicinal no Brasil revela um cenário de crescimento consistente, porém ainda aquém do potencial terapêutico e da demanda clínica existente. Os investimentos realizados até o momento, embora significativos em termos de progressão percentual, representam uma fração mínima do orçamento global da saúde.

A racionalização destes gastos depende, fundamentalmente, de três fatores: regulamentação adequada da produção nacional, desenvolvimento de protocolos clínicos baseados em evidências e implementação de modelos de financiamento sustentáveis. Além disso, a experiência acumulada com os programas já implementados fornece evidências promissoras quanto à viabilidade econômica da expansão do acesso.

Como profissional médico, seu papel é fundamental não apenas na prescrição adequada, mas também na contribuição ao debate sobre políticas públicas baseadas em evidências que possam otimizar os investimentos nesta área terapêutica emergente.

Perguntas frequentes

Qual o custo médio anual por paciente nos programas de cannabis medicinal do SUS?

O custo médio anual por paciente nos programas estruturados do SUS varia entre R$ 14.900 e R$ 15.300, dependendo da condição clínica e da formulação utilizada. Por outro lado, este valor representa uma redução de aproximadamente 32% em comparação ao acesso via judicialização, onde o custo médio atinge R$ 33.600/ano por paciente, incluindo despesas processuais.

Como se comparam os gastos públicos com cannabis no Brasil em relação a outros países?

O Brasil investe significativamente menos em cannabis medicinal que países com sistemas de saúde comparáveis. Enquanto o gasto per capita brasileiro é de aproximadamente €0,30, países como Alemanha (€4,20), Itália (€2,70) e Portugal (€1,80) apresentam investimentos substancialmente maiores. Esta disparidade reflete tanto diferenças regulatórias quanto de incorporação terapêutica.

Quais são as principais barreiras para a redução dos custos de tratamentos com cannabis no sistema público?

As principais barreiras são: primeiramente, (1) dependência de produtos importados, com custos 2-3 vezes superiores aos potenciais produtos nacionais; em segundo lugar, (2) fragmentação do acesso via judicialização, impedindo compras centralizadas com economia de escala; além disso, (3) ausência de códigos específicos na tabela SUS e de protocolos clínicos padronizados; e, por fim, (4) limitações regulatórias para produção e pesquisa nacional, que restringem o desenvolvimento de alternativas mais custo-efetivas.

Como os estudos de custo-efetividade influenciam as decisões de incorporação de canabinoides no SUS?

Os estudos de custo-efetividade são instrumentais para a tomada de decisão pela CONITEC (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS). No caso dos canabinoides, as análises que demonstram RCEI abaixo do limiar de 1-3 PIB per capita por QALY, quando combinadas com análises de impacto orçamentário favoráveis, têm maior probabilidade de recomendação positiva.Entretanto, a escassez de estudos farmacoeconômicos robustos no contexto brasileiro ainda representa um desafio significativo.

Quais condições clínicas apresentam melhor relação custo-benefício para tratamento com canabinoides no contexto do SUS?

Baseado nos estudos disponíveis, as condições com melhor perfil de custo-efetividade no contexto do SUS são, principalmente: epilepsias refratárias (especialmente síndromes de Dravet e Lennox-Gastaut), espasticidade associada à esclerose múltipla, dor neuropática crônica refratária e náuseas e vômitos induzidos por quimioterapia resistentes aos antieméticos convencionais. Em todos esses casos, há evidência clínica robusta aliada ao potencial de redução de outros custos assistenciais. Além disso, estas condições combinam evidência clínica robusta com potencial de redução em outros custos assistenciais.

Atenção: Este artigo tem caráter informativo e não substitui a consulta com profissionais de saúde qualificados. Sempre consulte seu médico antes de iniciar qualquer tratamento.

Comentários

Comentários estão fechados.

Inscreva-se em nossa Newsletter

Receba novidades e notícias do seu interesse.
Pura inspiração, zero spam ✨