Leucemia: CBN e CBG mostram potencial terapêutico em estudo

Leucemia: CBN e CBG mostram potencial terapêutico em estudo

A leucemia, neoplasia hematológica que compromete a medula óssea e a produção de células sanguíneas, pode ter um novo horizonte terapêutico através dos canabinoides menos conhecidos da Cannabis, de acordo com recente investigação científica. Enquanto THC e CBD dominam os holofotes da pesquisa e aplicação clínica, o canabinol (CBN) e o canabigerol (CBG) emergem como compostos promissores no tratamento de neoplasias hematológicas, particularmente na leucemia mieloide aguda.

Canabinoides menores: potencial inexplorado no tratamento da leucemia

A Cannabis produz centenas de compostos bioativos, mas apenas uma fração tem sido extensivamente estudada. Com o avanço das técnicas analíticas e o progresso regulatório em diversos países, pesquisadores agora podem investigar sistematicamente os chamados “canabinoides menores” – nomenclatura que se refere à concentração na planta, não à relevância terapêutica.

O estudo intitulado “The Anticancer Activity of Cannabinol (CBN) and Cannabigerol (CBG) on Acute Myeloid Leukemia Cells” apresenta evidências experimentais in vitro sobre a atividade citotóxica seletiva desses canabinoides em linhagens celulares de leucemia mieloide aguda (LMA). Esta condição representa uma das formas mais agressivas de leucemia, com prognóstico frequentemente desfavorável e necessidade urgente de novas abordagens terapêuticas.

Perfil farmacológico dos canabinoides investigados

Canabinol (CBN):

  • Concentração típica na planta: <1%
  • Formação: degradação oxidativa do THC após exposição prolongada à luz e oxigênio
  • Afinidade: receptores CB1 (baixa) e CB2 (moderada)
  • Propriedades farmacológicas previamente documentadas: sedativas, analgésicas e anti-inflamatórias

Canabigerol (CBG):

  • Concentração típica na planta: <1%
  • Posição biossintética: precursor (“canabinoide mãe”) do THC e CBD
  • Afinidade: agonista parcial de receptores CB1 e CB2; antagonista do receptor 5-HT1A
  • Propriedades farmacológicas previamente documentadas: anti-inflamatórias, antibacterianas e neuroprotetoras

Mecanismos moleculares da ação antileucêmica

A investigação demonstrou que ambos os canabinoides reduziram a viabilidade das células leucêmicas de maneira dose e tempo-dependente. Os resultados apontam para múltiplos mecanismos de ação que podem ser relevantes para a prática clínica:

  1. Indução de apoptose: Tanto CBN quanto CBG ativaram vias de morte celular programada, essencial para eliminação seletiva de células malignas.
  2. Inibição da proliferação celular: Os compostos demonstraram capacidade de interromper o ciclo celular, impedindo a multiplicação descontrolada característica da leucemia.
  3. Ativação da proteína p53: Concentrações específicas dos canabinoides aumentaram a expressão desta proteína supressora tumoral, crucial na regulação do ciclo celular e na indução de apoptose em células danificadas.
  4. Mediação via receptores CB2: A atividade antineoplásica parece ser mediada predominantemente através dos receptores canabinoides tipo 2 (CB2), abundantes em células do sistema imunológico e frequentemente superexpressos em células leucêmicas.

O Dr. Raphael Mechoulam, pioneiro na pesquisa de canabinoides, frequentemente destacou que “a planta Cannabis é uma verdadeira farmácia natural, com potencial terapêutico ainda largamente inexplorado”. Esta observação ganha relevância adicional com os achados sobre o potencial antileucêmico destes canabinoides menores.

Implicações clínicas para hematologistas e oncologistas

Embora promissores, os resultados atuais representam evidências pré-clínicas que requerem validação através de estudos in vivo e, posteriormente, ensaios clínicos controlados. No entanto, algumas considerações são relevantes para a prática médica atual:

  • Sinergia com terapias convencionais: Investigações preliminares sugerem que canabinoides podem potencializar os efeitos de quimioterápicos convencionais, permitindo redução de doses e minimização de efeitos adversos.
  • Seletividade citotóxica: Diferentemente de muitos quimioterápicos, os canabinoides demonstram relativa seletividade para células neoplásicas, poupando células hematopoiéticas normais.
  • Manejo de sintomas concomitantes: Independentemente da atividade antineoplásica direta, canabinoides já demonstraram eficácia no controle de sintomas associados ao câncer e seus tratamentos:
    • Náuseas e vômitos induzidos por quimioterapia
    • Caquexia e anorexia
    • Dor neuropática
    • Ansiedade e distúrbios do sono

Análise comparativa: CBN vs. CBG na leucemia mieloide aguda

| Parâmetro | Canabinol (CBN) | Canabigerol (CBG) | |———–|—————–|——————-| | Potência citotóxica | Moderada | Alta | | Concentração efetiva | Requer doses mais elevadas | Eficaz em concentrações menores | | Indução de apoptose | Via mitocondrial | Múltiplas vias | | Seletividade | Moderada | Alta | | Interação com p53 | Presente | Pronunciada |

Desafios translacionais e perspectivas futuras

A translação destes achados laboratoriais para a prática clínica enfrenta desafios significativos:

  1. Farmacocinética complexa: Canabinoides são altamente lipofílicos, com biodisponibilidade oral limitada e metabolismo complexo, demandando desenvolvimento de formulações apropriadas.
  2. Variabilidade interindividual: Polimorfismos genéticos nos sistemas enzimáticos que metabolizam canabinoides podem resultar em respostas heterogêneas.
  3. Questões regulatórias: Apesar dos avanços, a Cannabis e seus derivados ainda enfrentam barreiras regulatórias que limitam a pesquisa clínica.
  4. Padronização e controle de qualidade: A consistência de preparações à base de Cannabis representa desafio significativo para estudos clínicos rigorosos.

“O estudo abre caminho para novas investigações sobre os mecanismos exclusivos dos canabinoides em diversos modelos de câncer, pois seus efeitos podem variar dependendo de anormalidades celulares específicas”, destacam os pesquisadores. “Embora preliminar, este estudo reforça o potencial de pesquisas adicionais in vitro e in vivo para elucidar a atividade anticancerígena desses canabinoides em células leucêmicas, contribuindo potencialmente para o desenvolvimento de uma nova classe de agentes anticancerígenos.”

Considerações para a prática clínica atual

Enquanto aguardamos evidências mais robustas sobre o potencial antineoplásico direto, a Cannabis medicinal já oferece benefícios substanciais para pacientes com leucemia e outras neoplasias hematológicas:

  1. Controle de náuseas e vômitos: Dronabinol e nabilona (canabinoides sintéticos) são aprovados para náuseas e vômitos induzidos por quimioterapia refratários a antieméticos convencionais.
  2. Estímulo do apetite: Particularmente relevante em pacientes com caquexia associada ao câncer.
  3. Manejo da dor: Canabinoides podem complementar esquemas analgésicos, potencialmente reduzindo necessidade de opioides.
  4. Suporte psicológico: Redução de ansiedade e melhoria da qualidade do sono, aspectos frequentemente comprometidos em pacientes oncológicos.

A prescrição de medicamentos à base de Cannabis deve seguir rigorosamente as diretrizes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), sendo essencial a avaliação individualizada por profissionais com experiência na prescrição de canabinoides.

Conclusão: Leucemia e canabinoides – uma fronteira terapêutica em expansão

Os achados sobre o potencial antileucêmico do CBN e CBG representam uma fronteira promissora na hematologia oncológica. A complexidade biológica da Cannabis, com seus mais de 140 canabinoides e centenas de outros compostos bioativos, oferece um vasto campo para descoberta de novas terapias.

Para hematologistas e oncologistas, é fundamental acompanhar esta literatura emergente, mantendo postura crítica e baseada em evidências, porém aberta às possibilidades terapêuticas que os canabinoides podem oferecer no manejo da leucemia e outras neoplasias hematológicas.

A integração responsável da Cannabis medicinal no arsenal terapêutico oncológico requer educação médica continuada, pesquisa rigorosa e diálogo aberto entre profissionais de saúde, pesquisadores e órgãos regulatórios.

Perguntas frequentes para profissionais de saúde

1. Existe evidência suficiente para recomendar canabinoides como tratamento antineoplásico direto para leucemia?

 Não. As evidências atuais são pré-clínicas (in vitro) e, embora promissoras, não justificam a recomendação como terapia antineoplásica primária. Canabinoides podem ser considerados como adjuvantes para controle sintomático.

2. Qual a interação entre canabinoides e quimioterápicos convencionais utilizados no tratamento da leucemia?

 Estudos preliminares sugerem potencial sinérgico, particularmente com citarabina e antraciclinas. Entretanto, interações farmacocinéticas complexas podem ocorrer, especialmente via sistema CYP450, exigindo monitoramento cuidadoso.

3. Quais pacientes com leucemia seriam candidatos à terapia adjuvante com canabinoides?

 Pacientes com sintomas refratários às terapias convencionais (náuseas, vômitos, dor, anorexia, insônia) podem beneficiar-se. A decisão deve considerar comorbidades, medicações concomitantes e preferências do paciente.

4. Como prescrever canabinoides para pacientes oncohematológicos no Brasil?

 A prescrição deve seguir a RDC 327/2019 da Anvisa, utilizando formulário de controle especial em duas vias. Produtos registrados ou autorizados para importação excepcional são as opções legalmente disponíveis.

5. Quais parâmetros clínicos e laboratoriais devem ser monitorados em pacientes leucêmicos utilizando canabinoides?

 Além dos parâmetros hematológicos habituais, recomenda-se monitoramento da função hepática (canabinoides são metabolizados principalmente no fígado), interações medicamentosas e efeitos neuropsiquiátricos, especialmente em formulações contendo THC.

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