O número de médicos prescritores de cannabis medicinal cresceu significativamente no Brasil, alcançando 52.300 profissionais até março de 2025, segundo dados da Close-Up International. Este avanço ocorre em paralelo ao crescimento geral da classe médica no país, que deve chegar a 635.706 profissionais até o final deste ano – um aumento expressivo de 58% em relação ao ano anterior, conforme aponta o estudo Demografia Médica no Brasil 2025.
Entretanto, a análise aprofundada desses números revela desafios substanciais que merecem atenção da comunidade médica e das autoridades de saúde, especialmente quanto à distribuição geográfica dos prescritores e às lacunas na formação médica sobre o sistema endocanabinoide.
A disparidade geográfica dos médicos prescritores de cannabis
Por outro lado, a distribuição desigual de profissionais de saúde no território nacional representa um obstáculo significativo para a universalização do acesso à cannabis medicinal. Além disso, os dados são contundentes:
- 58% dos médicos brasileiros concentram-se em apenas 48 cidades com mais de 500 mil habitantes
- Estas localidades abrigam apenas 31% da população nacional
- 4.895 municípios com menos de 50 mil habitantes (também representando 31% da população) contam com apenas 8% dos médicos
- A região Norte apresenta o índice mais preocupante: 1,70 médico por mil habitantes, substancialmente abaixo da média nacional de 2,98
- O Distrito Federal lidera com 6,28 médicos por mil habitantes, evidenciando a disparidade regional
Quando analisamos especificamente os médicos prescritores de cannabis, esta desigualdade torna-se ainda mais acentuada, criando o que o Dr. Wellington Briques, médico formado pela USP e especialista em práticas integrativas, denomina como “uma chave terapêutica trancada nas capitais”.
Embora o crescimento tenha sido expressivo, a distribuição dos médicos ainda é profundamente desigual. Em especial, nas áreas remotas — onde o número de especialistas já é baixo — a presença de prescritores com conhecimento sobre o sistema endocanabinoide é praticamente inexistente”, alerta o especialista.
Evolução dos prescritores: Análise dos dados recentes
Os números revelam um panorama de crescimento, ainda que aquém do necessário para atender a demanda nacional:
- 65% dos atuais prescritores (34.213 profissionais) iniciaram a prescrição apenas no último ano
- Entre os prescritores veteranos, houve crescimento de 35,1% no volume de prescrições
- A média de pacientes por médico prescritor aumentou de 10,2 para 13,8
- O Brasil conta atualmente com aproximadamente 672 mil pacientes utilizando terapias canabinóides (segundo o anuário da Kaya Mind)
Estes dados sugerem uma curva de adoção em ascensão, mas quando correlacionados com o total de médicos no país, evidenciam que apenas cerca de 8,2% dos profissionais médicos brasileiros prescrevem cannabis medicinal – um percentual ainda modesto considerando o potencial terapêutico documentado em diversas condições clínicas.
O sistema endocanabinóide: A lacuna crítica na formação médica
Um dos principais fatores que limitam a adesão à prescrição de cannabis medicinal é a ausência do estudo do sistema endocanabinoide nas diretrizes curriculares dos cursos de medicina. Como resultado, essa omissão representa uma falha estrutural relevante na formação médica contemporânea.
“O sistema endocanabinóide está em todo ser humano. Atua na dor, no humor, no sono, na imunidade, na inflamação. É um conteúdo essencial e não opcional”, enfatiza Dr. Briques.
A ausência deste conhecimento fundamental na graduação médica cria uma barreira significativa:
- Desconhecimento dos mecanismos fisiológicos envolvidos na modulação endocanabinoide
- Insegurança técnica para manejo de fitocanabinoides como ferramentas terapêuticas
- Dificuldade em interpretar a literatura científica sobre o tema
- Perpetuação de estigmas não baseados em evidências científicas
- Limitação no arsenal terapêutico disponível para condições refratárias
“Infelizmente, a educação sobre cannabis medicinal começa apenas nos cursos de pós-graduação”, lamenta o médico, destacando que esta abordagem tardia limita o acesso de muitos profissionais a este conhecimento essencial.
Estratégias para ampliação da prescrição qualificada

Para transformar o cenário atual e promover uma ampliação responsável do número de médicos prescritores de cannabis medicinal, especialistas como Dr. Briques propõem uma abordagem multifacetada:
Reforma curricular na graduação médica
A inclusão sistemática do estudo do sistema endocanabinóide e das terapias canabinóides nos currículos de graduação representa uma intervenção fundamental. Esta mudança permitiria que todos os novos médicos tivessem, ao menos, o conhecimento básico sobre:
- Fisiologia do sistema endocanabinoide
- Farmacologia dos canabinóides
- Evidências clínicas atualizadas
- Indicações e contraindicações
- Posologia e manejo de efeitos adversos
Fortalecimento da educação médica continuada
Para os profissionais já formados, o desenvolvimento de programas de educação continuada acessíveis e baseados em evidências científicas representa um caminho promissor. Estas iniciativas devem contemplar:
- Cursos online com certificação reconhecida
- Workshops práticos sobre prescrição
- Discussões de casos clínicos reais
- Acesso a protocolos atualizados
- Mentoria com prescritores experientes
Criação de ambulatórios especializados em centros universitários
A implementação de ambulatórios dedicados ao tratamento com cannabis medicinal em hospitais universitários e centros de ensino permitiria:
- Formação prática supervisionada
- Desenvolvimento de pesquisa clínica nacional
- Criação de protocolos adaptados à realidade brasileira
- Atendimento multidisciplinar integrado
- Documentação sistemática de resultados clínicos
Descentralização do conhecimento
Para enfrentar a concentração geográfica dos prescritores, é necessário desenvolver estratégias específicas para interiorização do conhecimento:
- Telemedicina educacional para profissionais em áreas remotas
- Parcerias com secretarias municipais de saúde
- Incentivos para fixação de especialistas em regiões carentes
- Desenvolvimento de materiais educativos adaptados às realidades locais
- Criação de redes de suporte entre prescritores experientes e iniciantes
Perspectivas futuras para o médico prescritor de cannabis
O Brasil caminha para ultrapassar a marca de 1,1 milhão de médicos até 2035, segundo projeções demográficas. Este crescimento representa uma oportunidade singular para a expansão qualificada da prescrição de cannabis medicinal no país, desde que acompanhada das transformações educacionais e estruturais necessárias.
A evolução deste cenário dependerá da integração entre diferentes atores:
- Conselhos de medicina e associações médicas: revisão de diretrizes e posicionamentos
- Instituições de ensino: atualização curricular
- Órgãos regulatórios: simplificação de processos sem comprometer a segurança
- Sociedades de especialidades: desenvolvimento de protocolos específicos
- Profissionais já prescritores: compartilhamento de experiências e mentoria
Como sintetiza o Dr. Briques: “Essa falha não é culpa do médico, é uma omissão do sistema. Corrigir isso é fundamental para que a cannabis medicinal deixe de ser exceção e passe a integrar, com responsabilidade, o arsenal terapêutico da medicina brasileira contemporânea.”
Perguntas frequentes para médicos e Profissionais de saúde
Quais são os requisitos legais para me tornar um médico prescritor de cannabis medicinal no Brasil?
Para prescrever cannabis medicinal no Brasil, o médico deve estar regularmente inscrito no CRM, utilizar receituário específico (tipo B, de cor azul) e seguir as normas da RDC 660/2022 da ANVISA. Não há exigência legal de especialização específica, embora seja recomendável capacitação adequada sobre o sistema endocanabinóide e terapias canabinoides.
Como posso adquirir formação específica sobre prescrição de cannabis medicinal?
Atualmente, existem cursos de pós-graduação lato sensu, cursos livres certificados por universidades, programas de educação continuada oferecidos por associações médicas e sociedades de especialidades. Recomenda-se buscar formações que incluam fundamentação científica sólida, discussão de casos clínicos e orientação prática sobre posologia e acompanhamento.
Quais são as evidências científicas mais robustas para prescrição de cannabis medicinal?
Atualmente, as evidências de maior solidez concentram-se em condições como epilepsias refratárias, espasticidade associada à esclerose múltipla, dor crônica neuropática, náuseas e vômitos induzidos por quimioterapia, bem como caquexia em pacientes oncológicos ou com HIV/AIDS. Além disso, existem evidências emergentes para transtornos de ansiedade, insônia, fibromialgia e também doenças inflamatórias intestinais, entre outras condições em investigação.
Como devo monitorar pacientes em tratamento com cannabis medicinal?
O monitoramento deve ser sistemático e individualizado, incluindo avaliação periódica de eficácia terapêutica através de escalas validadas para a condição tratada, vigilância de eventos adversos, ajustes posológicos graduais, avaliação de interações medicamentosas e documentação detalhada da evolução clínica. A frequência de reavaliações deve ser maior no início do tratamento, podendo ser espaçada conforme estabilização clínica.
Quais são as contraindicações absolutas para prescrição de cannabis medicinal?
Entre as contraindicações absolutas, destacam-se a hipersensibilidade conhecida aos canabinoides, a psicose ativa ou a história de psicose em pacientes de alto risco, além de cardiopatias graves descompensadas (particularmente para produtos com THC), insuficiência hepática grave e, por fim, o primeiro trimestre da gestação. No caso de adolescentes, a prescrição de produtos com THC deve ser extremamente cautelosa e, sobretudo, restrita a condições específicas nas quais os benefícios claramente superem os riscos.
Atenção: Este artigo tem caráter informativo e não substitui a consulta com profissionais de saúde qualificados. Sempre consulte seu médico antes de iniciar qualquer tratamento.
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